Baba há 25 anos, Girlene de Moraes começou na profissão em sua adolescência, saiu um pouco e depois voltou. Dentre as muitas coisas que já fez na vida, ela descobriu que cuidar de crianças é a sua verdadeira paixão. A Gi, como é chamada carinhosamente por todos, tem dois filhos, já adultos. Os netos não virão tão cedo, pelo menos não é uma vontade dos filhos agora, por isso ela tem as crianças como se fossem seus próprios netos.
Ela começou a trabalhar para os pais do Chicão quando a Maria Clara nasceu, a irmã do meio. A pequena tinha apenas 24 dias. (Isso já faz quase quatro anos). Quando a mamãe apresentou o Chico, a Gi contou que foi muito emocionante.
“Quando a Thaissa apresentou o Chico foi assim, impressionante. Porque ele é um garoto muito especial. Não é qualquer pessoa que enxerga esse amor tão singelo dele, tão simples. Na verdade, a especial sou eu, porque Deus me deu a oportunidade de trabalhar com ele”, contou emocionada. Para conhecer um pouco sobre essa pessoa tão especial na vida do Chico, fizemos algumas perguntas:
Down é Up: Como foi o primeiro contato? Ele se acostumou facilmente?
Girlene: Eu vim através de uma agência. A princípio, não sabia o que era a síndrome de Down. Na verdade, vim para cuidar da irmã dele. Quando cheguei, a Thaissa disse que precisaria de uma ajuda com o Chico, mas que era muito presente. Ela me apresentou a ele. Apesar de nunca ter trabalhado com crianças com síndrome de Down, já havia lido sobre. Eles são crianças normais, a única coisa que muda é o aprendizado. O dele é um pouco mais lento em relação às irmãs. Minha adaptação foi muito fácil, porque trabalhar com o Chico é muito tranquilo. Ele recebe as pessoas muito bem. Quando comecei a trabalhar com a Clara, ele mesmo já se aproximou. Eu percebia que ele queria deitar com a gente para dormir. Fiquei com um pouco de receio, porque não é toda mãe que deixa essa aproximação da criança com a babá, mas senti que com essa família não iria ter isso.
D: Você sempre ficou com as crianças no período da noite?
G: A primeira vez que vim foi para cobrir uma folga. Aí, ela (a Thaissa) me contratou para os finais de semana. Ficava com eles desde a noite de sexta-feira até a manhã da segunda-feira. Fui ganhando a confiança da família e passei a ficar à noite, e também viajava com eles. Como já tenho 51 anos pedi para diminuir a carga. Hoje fico com eles à noite, só para dormir. Dormir entre aspas. Risos. Cada um tem o seu horário de fralda, mamadeira, então acabo não dormindo, pois são três bebês para mim. Já me acostumei e gosto de trabalhar nesse horário. Já vim de outras casas que trabalhava à noite.
D: Você acompanhou a fase do desfralde e as outras, como foi?
G: Foi muito tranquilo. Eles são crianças muito tranquilas e educadas. Lógico que eles aprontam. Quando o Chico apronta, eu brigo. E quando as irmãs aprontam, brigo do mesmo jeito. Se tiver que colocar de castigo, também coloco. O Chico é muito engraçado, quando dou bronca ele diz: – “tá bom, Zi”. É muito fácil trabalhar com essa família porque eu ajudo a educar. Não sou a babá só para trocar foto, ajudo na educação. A Thaissa e o seu Alexandre permitem isso. Eu trato eles como se fossem meus netos. Eu educo, dou bronca, mas dou muito carinho também. Tanto que quando chego é uma loucura. Quando falo que não vou, é um ‘chororô’. Você percebe que a criança gosta, né? Percebo que eles têm um carinho grande por mim.
D:Como é essa questão do afeto, do carinho? Você acaba acompanhando as lições de casa, por exemplo?
G: Olha, a Thaissa é muito presente, apesar de trabalhar fora. Em questão de lição de casa, ela e o Seu Alexandre fazem questão de estar juntos. Às vezes pedem minha ajuda, mas eles fazem questão de acompanhar essa parte. Afeto, nossa não tenho palavras. É saber que Deus está ao meu lado todo o dia, pelo amor dessas crianças. É um carinho tão simples e ao mesmo tempo tão grande. Quando chega o final de semana peço sempre para a Thaissa mandar fotos. Eu sinto saudades deles. Eu nem vejo como trabalho. Vir dormir com eles é como se eu estivesse fazendo uma visita, na casa de alguém que amo muito. Tem briga para dormir comigo. Risos. Um dia é um, no outro dia o outro. A sexta-feira é o dia da cabana, então eu faço a cabana e dorme todo mundo no chão. É uma festa!
D: Percebi um pouco dessa questão educacional. Você que cria essas atividades, você pesquisa?
G: É assim, como tive dois, sempre fui muito moleca, muito bagunceira. Gosto de fazer cabana, de aprontar com eles. A Thaissa também gosta muito dessas brincadeiras. Aí combino com ela, se vai demorar ou não, e quando ela chega montamos a cabana. Estico um lençol e aí contamos histórias e inventamos um monte de coisa.
D: Como é o seu olhar sobre o Chico? Ele cresceu. Já mudou muito?
G: Então, quando eu cheguei o Chico praticamente não falava nada. Ele só tinha dois aninhos. De lá para cá a evolução foi tremenda. Ele aprendeu a andar. Todo o exercício de colocar na cadeirinha e levantar, eu também participei. Hoje ele monta frases e a gente vibra com isso, com o desenvolvimento dele. A evolução dele é cada dia melhor.
D: E a relação do Chico com as irmãs?
G: É apaixonante. Eu vejo a Clara como a chefe da gangue, ela manda e desmanda. Risos. Eu chamo eles de gangue. A Maria Antonia está indo pelo mesmo caminho. O Chico é assim: Quando ele acorda abraça todo mundo, quer beijar todo mundo. Ele vai até a cama da Clara e se ela está dormindo, ele abraça e beija. Pega a Nunu (apelido da Maria Antonia) abraça e beija. Como a altura deles é diferente, quando ele vai abraçar é pelo pescoço, a gente: – “Calma, Chico! Desaperta”. Mas assim, o carinho que ele tem por elas é maravilhoso, é de amor. O delas é diferente. É um carinho com cuidado e amor. A Clara sai e fala: – “O Chico não pode fazer isso, não pode comer aquilo”. As vezes, até brinco: – “ Vamos comer uma coisa que tenha corante, Chico?” Ela já vira e fala: – “O Chico não pode comer corante”. Ela sabe das limitações do Chico. E a Maria Antonia está no mesmo caminho. Quando a Clara bate no Chico, a Antônia interfere. Se a Antônia bate nele, a Clara interfere. Elas cuidam muito dele, e ele também cuida muito delas. Se alguém vai e tira alguma coisa da Clara, ele vem para brigar com a pessoa. São todos assim. Vejo uma união muito grande entre os três. A Thaissa deixa isso claro para eles, que são irmãos, não podem brigar. Brigou? Tem que pedir desculpas e se abraçar. Acho legal isso!
D: Tem alguma coisa que gostaria de falar?
G: O que posso falar é que foi um presente de Deus trabalhar com essa família. Passei por quatro ou cinco famílias, mas nenhuma foi igual. Tanto que falo para a Thaissa: – “Thaissa, vou me aposentar aqui”. Saindo daqui, não pretendo trabalhar para mais ninguém. É como se eu estivesse fechando o meu ciclo de babá, com chave de ouro. Agradeço a Deus pela Thaissa, pelo seu Alexandre e pelas crianças. Os avós são maravilhosos. Eu realmente caí numa família abençoada. E o Chico foi um presente na minha vida!